segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Universo de Pesquisa: O que é a Bacia do Una? (Parte 2)

No post anterior mencionei O Projeto de Macrodrenagem do Una enquanto um conjunto de obras de saneamento que transformou substancialmente grande parte da periferia da cidade de Belém, tendo em vista que a Bacia do Una ocupa 60% do território da cidade. Agora vamos entender a diferença entre Macrodrenagem do Una e a Bacia do Una, sendo que esta distinção é fundamental para o entendimento do universo e do objeto desta pesquisa.

A bacia do Una sofreu um processo de intervenção por parte do poder público estadual em parceria com a prefeitura de Belém que durou mais de uma década, tendo começado em meados dos anos 80 em sua fase de estudos e terminado em 2004 com a conclusão das obras que foram iniciadas em 1993. Trata-se do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, o qual tinha por objetivo resolver os problemas de insalubridade e saneamento ambiental nas baixadas da referida área. Constituídos de casas erguidas em palafitas sobre terrenos alagadiços, lamacentos e por onde passavam igarapés, alguns bairros da Bacia do Una foram completamente aterrados e receberam serviço de esgotamento sanitário e fornecimento de água que não existia anteriormente.

No ano de 1993, um trecho do Relatório da Comissão de Saneamento de Belém explicava o que viria a ser o então denominado Projeto de Recuperação das Baixadas do Una. Invertendo a ordem de argumentação presente no referido documento, transcrevo primeiro o que está sendo categorizado enquanto "baixadas" pela COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará) em 1993:

AS BAIXADAS
O Governo do Estado do Pará, através da Companhia de Saneamento do Pará-COSANPA e contando com a prefeitura Municipal de Belém, vem resgatar uma antiga dívida social para com a parcela mais carente de sua população, que hoje habita de forma precária, as regiões denominadas "Baixadas".
Estas "Baixadas" são áreas da cidade de Belém, caracterizadas por sua baixa altitude e orografia suabilíssima, já degradadas em sua grande maioria, onde a população da mais baixa renda, sem condições de estabelecer nas regiões mais altas, vem se fixar, promovendo uma ocupação desordenada, tornando-se foco de grandes e graves problemas de saneamento e conseqüente comprometimento da qualidade de vida.
Devido a sua formação peculiar, vastos trechos das baixadas ficam permanente ou temporariamente alagados, sobretudo no inverno, por ocasião das intensas chuvas, fato este que constitui enorme empecilho às ações públicas para implantação da infraestrutura básica necessária, provocando assim enormes carências para as populações, privando-as de escolas, postos de saúde, abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta e remoção do lixo, atendimento de energia elétrica, iluminação pública e transportes, gerando essa forma insegurança [sic], analfabetismo e um altíssimo índice de doenças provocadas pelos baixos índices de salubridade verificados, sem com o agravamento [sic] da degradação ambiental que se constata [...] (Feitosa, 1994, p.247-248)

Acima está caracterizado o problema a ser resolvido, isto é, as condições insalubres das baixadas belemenses. A seguir, apresento conforme o mesmo documento, o que seria a solução para este problema:

O PROJETO
O Projeto foi concebido com o objetivo de marcar o início de uma grande transformação a ser procedida nas Baixadas do Una, com reflexos na Cidade de Belém como um todo.
Assim sendo, serão implementadas através dos Projetos, obras de retificação dos igarapés e revestimento de suas margens; obras de microdrenagem com a execução de sarjetas, caixas captadoras de águas pluviais, redes coletoras e demais dispositivos; obras de implantação de sistema viário compatível e equipamentos comunitários importantes e necessários, além de outras.
Complementarmente será realizado um amplo programa de educação comunitária, sanitária e ambiental, no sentido de dotar as populações de conhecimento e instrumentos capazes de manter os benefícios conquistados, preservando o meio ambiente e assegurando a conquista de uma melhoria de suas condições de vida, meta tão ansiosamente desejada. [...] (Feitosa, 1994, p.247)


Fonte: FEITOSA, Dantas de. Macrodrenagem e Água Potável em Belém do Pará; Documentário Histórico-Cosanpa. Belém, Multisoft, 1994.


Houve remoção de muitas famílias para que fossem abertas vias e canais. As vias permitindo o acesso a áreas onde anteriormente só era possível locomover-se sobre estivas. Os canais para facilitar o escoamento e, portanto, a drenagem de áreas anteriormente consideradas problemáticas em relação ao acúmulo de águas dos igarapés e das chuvas. Logo, o projeto de macrodrenagem buscava "revitalizar" boa parte das baixadas de Belém, resolvendo também os problemas de alagamentos nessas regiões da cidade.

O alarde das propagandas sobre o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una teve como uma de suas repercussões a corrente confusão que se estabelece tanto no senso comum, quanto na mídia especializada entre o Projeto Una e a Bacia do Una. O Projeto Una é uma obra de engenharia que visava atender questões de ordem sanitária e aos poucos foi atentando para questões socioeconômicas relativas ao que se entende por uma "reforma urbana" da cidade de Belém, tendo recebido financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para sua execução e para que fosse realizada a manutenção das obras, bem como um trabalho de educação ambiental junto às populações contempladas pelo projeto. O projeto inclui também a microdrenagem, isto, é a implantação de esgoto pluvial e cloacal para as residências e um sistema de drenagem macro, o qual abrange 17 canais, seis galerias subterrâneas e duas comportas para o controle da ação das marés sobre os canais (Comissão de Representação da Bacia do Una, 2013)


A Bacia do Una em bairros 
Fonte: Paranaguá, P., Melo, P., Sotta, E. D., & Veríssimo, A. Belém Sustentável. Belém: Imazon, 2003.
Disponível em versão Online em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/livros/belem-sustentavel-1

























O Projeto Una não deve, portanto, ser confundido com a Bacia Hidrográfica do Una. Esta última, pode ser entendida como uma região territorial que tem como base o elemento água e seus cursos interligados, além de constituir mesmo no contexto urbano de Belém como um sistema interdependente em que os recursos hídricos estão atrelados outros processos naturais como o clima, vegetação e solo. Todos estes elementos também se ligam à realidade socioeconômica e cultural no interior da cidade, condicionando diferentes maneiras de serem estabelecidas relações entre os habitantes e as águas urbanas. 

Assim, o Projeto de Macrodrenagem do Una foi realizado sobre a região geográfica da Bacia do Una mas o projeto não coincide com a totalidade da região geográfica apresentada. Em muitos casos, áreas inteiras da Bacia do Una foram excluídas do Projeto de Macrodrenagem, tais como o do Conjunto Santos Dumont no Bairro da Maracangalha, a área conhecida como Nova Aliança no bairro da Sacramenta que abrange as passagens Santa Rosa e Santa Teresinha, além da Comunidade Água Cristal no bairro da Marambaia. Estas três áreas são consideradas os pontos mais críticos da Bacia do Una em termos de saneamento básico (serviço de esgoto e água potável), de infra-estrutura viária e de vulnerabilidade a inundações.

Assim, afirmo que o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una integra o universo desta pesquisa, uma vez que o projeto de reforma urbana enseja discussões, mobiliza atores e cria feixes de relações sociais. O Projeto de Macrodrenagem, enquanto um marco na história do saneamento em Belém, articula experiências e suscita narrativas sobre as transformações das relações dos habitantes de Belém com as águas da cidade. Porém, esta não é uma pesquisa sobre a Macrodrenagem do Una. Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a memória ambiental de habitantes de uma bacia hidrográfica urbanizada, a Bacia do Una. 

Nesse sentido, a Macrodrenagem representa um evento (quiçá o mais importante) em um contexto mais amplo e elástico no tempo, isto é a trajetória de políticas públicas de saneamento em Belém. No entanto, este processo de sanitarização da cidade e de ambientalização do viver urbano ganham expressão nas narrativas dos habitantes da Bacia do Una, sujeitos que experimentaram em seu cotidiano a dialética entre os elementos água e terra e trazem em seus depoimentos a dimensão do vivido que diz respeito à relação entre a cidade de Belém e suas águas.


Referências:

Comissão de Representação da Bacia do Una. Relatório Final. Assembléia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA). Belém, 2013. 

FEITOSA, Dantas de. Macrodrenagem e Água Potável em Belém do Pará; Documentário Histórico-Cosanpa. Belém, Multisoft, 1994.

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